No julgamento da apelação criminal nº 340.630-6, ocorrido na Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, o desembargador Alexandre Victor de Carvalho apresentou um voto dissidente emblemático. O caso tratava do furto de peças de roupa infantil cometido por dois réus, sendo um deles pai de um recém-nascido. A controvérsia girava em torno da aplicação do princípio da insignificância e da possibilidade de absolvição em razão do pequeno valor da res furtiva.
Enquanto a maioria do colegiado manteve a condenação com a aplicação do privilégio do art. 155, § 2º do Código Penal, o desembargador votou pela absolvição, fundamentando-se em uma análise humanizada, proporcional e constitucional do Direito Penal. Essa decisão reafirma a importância do papel crítico do magistrado diante da aplicação literal da lei penal.
Princípio da insignificância no voto do desembargador
O voto do desembargador Alexandre Victor de Carvalho defendeu a aplicação do princípio da insignificância como fundamento para absolvição nos casos em que a conduta praticada não representa ofensa penal relevante ao bem jurídico tutelado. Segundo ele, a tentativa de furto de roupas infantis no valor de aproximadamente R$ 111,00, sem violência ou grave ameaça, e com imediata restituição dos bens à vítima, não justificaria a imposição da pena privativa de liberdade.

O desembargador reforçou que a função do Direito Penal deve ser limitada à proteção de bens jurídicos relevantes, não se prestando à punição de condutas que não causam lesão significativa. Ao citar precedentes do STJ, argumentou que o Estado Democrático de Direito exige a exclusão das chamadas bagatelas penais, especialmente quando se está diante de um delito cometido por um pai em busca de roupas para sua filha recém-nascida. A punição, nesse contexto, seria desproporcional e socialmente contraproducente.
A ausência de dolo da ré e a crítica à presunção de responsabilidade
Outro ponto central do voto do desembargador Alexandre Victor de Carvalho foi a análise da participação de uma ré. Ele entendeu que não havia prova suficiente de que ela tivesse efetivamente participado do crime, pois o co-réu assumiu toda a responsabilidade, afirmando que ela apenas o acompanhava. Para o magistrado, a condenação com base apenas na presença no local e no relacionamento entre os acusados viola os princípios da presunção de inocência e da necessidade de prova da autoria.
O desembargador destacou que o concurso de pessoas exige liame subjetivo e relevância causal da conduta de cada agente, o que não ficou demonstrado nos autos. Dessa forma, absolveu a apelante por ausência de provas e reafirmou que o Direito Penal não pode admitir condenações por presunção. Essa visão reforça o compromisso do desembargador com os direitos fundamentais e a exigência de provas concretas para se impor uma sanção penal, evitando o uso simbólico e injusto do processo penal.
O papel da sanção penal e a crítica ao encarceramento de casos bagatelas
Em seu voto, o desembargador Alexandre Victor de Carvalho também apresentou severas críticas à política de encarceramento adotada para delitos de menor potencial ofensivo. Para ele, submeter uma pessoa a quase dois anos de prisão por um furto de valor ínfimo, sem prejuízo efetivo à vítima, representa não apenas um desvio da função do sistema penal, mas também uma afronta à dignidade humana. A pena, nesse caso, cumpre um papel meramente retributivo, desproporcional e incapaz de promover justiça.
Ao invocar doutrinas garantistas e o princípio da intervenção mínima, o desembargador defendeu a substituição da pena privativa de liberdade por sanções alternativas ou administrativas. Enjaular alguém por uma conduta de tão baixa reprovabilidade, segundo ele, apenas alimenta o ciclo da marginalização, fragilizando ainda mais o já combalido sistema penitenciário brasileiro. Sua posição reafirma a necessidade de racionalização do uso do Direito Penal, preservando-o para os casos realmente graves.
Em resumo, o voto vencido do desembargador Alexandre Victor de Carvalho no processo de apelação criminal nº 340.630-6 é um marco no debate sobre a aplicação do princípio da insignificância no Direito Penal brasileiro. Com fundamentação sólida, ele defendeu a atipicidade da conduta diante da baixa lesividade ao bem jurídico tutelado, a ausência de prova da coautoria da ré e a necessidade de sanções proporcionais e humanizadas. Sua posição evidenciou um olhar atento às garantias constitucionais.
Autor: Dmitri Ivanov